quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

O Botão Vermelho


    
Estava diante de situação tal, invejável, inesperada – era claro o que tinha que fazer e, no entanto, apesar de real queria que fosse um sonho. Não há conseqüências para o que se faz nos limites de sua cabeça, quando se liberta da prisão interior as ações tornam-se reais assim como as reações, as conseqüências, mas que conseqüências?
Não havia conseqüências, era apertar o botão vermelho, voltar para casa e... dormir? A que decisão minha consciência me absolveria? Porque no final, ainda que pensemos no coletivo, estamos pensando em nós mesmos. Como seres complicados, medimos certo e errado, criamos problemas morais que nos tornam mais humanos, porque egoisticamente gostamos de nos diferenciar dos animais.
Certamente não sou um assassino, mas até que ponto matar é errado, quando passa a ser perdoável ou até correto matar? Até Deus matou, dizimou, afogou e sufocou sua amada criação. Pois hoje sou Deus, está em minhas mãos a vida de algumas dezenas de pessoas que merecem a morte. Merecem a morte? Não sei. Na verdade não sou Deus, estou temporariamente divino, mais ainda fadado a carregar as incertezas e fraquezas humanas, um deus humano com poder, mas sem saber usá-lo.
O que você faria? Você, Deus, qualquer um, alguém... só não suporto a responsabilidade de decidir sozinho. Pouco mais de três dezenas dos mais desprezíveis seres a rastejar sua existência em solo terrestre, um botão vermelho e eu – matar ou deixar viver. Mais uma vez eu, o deus em cólera, estimulado pelo ódio, acovardado pelo medo – tudo se resume a mim e ao botão vermelho que espera impacientemente por minha decisão, não interfere, não pensa, a escolhe é minha e eu não posso recorrer a ninguém além de mim.
Certamente devia apertar, fazer o dilúvio selecionado. Repito, ninguém a quem tenho a vida em mãos merecia viver e, além disso, eu os odiava. Mas apertar significava tornar-me, no mesmo instante, um genocida e assim, um deles. Não. Um deles não, impossível. Mas ainda assim um genocida.
O humano, na verdade o animal humano, é naturalmente sádico, socialmente cristão, bondoso e altruísta, mas biologicamente cruel e sanguinário. Os olhos assustados me observavam com terror e vergonhoso rogo, isso me deliciava, me dava vida e, me sentindo vivo, vontade de matar.
Teria sido ridículo não apertar, quem não apertaria? Os mortos não me seguem, talvez por ao morrerem terem percebido que não mereciam a vida, ou talvez porque mortos simplesmente ficam para trás enquanto sigo em frente. O botão foi apertado por mim e as mortes foram e continuam sendo só minhas. Foi, é e será uma decisão solitária. Morrerei com isso e não escreverão nada a respeito no epitáfio. Estará sempre comigo e, no entanto, não sei o que fazer com isso.

I Wish it was just a dream

5 comentários:

  1. Agradecimentos especiais para a Giovanna que me ajudou com a palavra "rogo" que havia fugido de minha cabeça.

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  2. é a mesma decisão que enfrenta um homem após o sexo sem contrato. melhor o homem decidir sozinho do que decidir seguindo um bando de ngravatados ou pessoas mais mentirosas que nós mesmos. todo ser é mentiroso. se foi esta a idéia do texto, nao sei. mas é como interpretei. ninguém quer ser líder, mas todo mundo quer carregar uma bandeira,

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  3. Agradecimentos ao Lucas, que é minha vida (Lua Nova mode on). Excelente conto, excepcional metáfora. Nada surpreendente vindo de você. Eu te amo.

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  4. "ninguém quer ser líder, mas todo mundo quer carregar uma bandeira,"

    Gostei dessa frase Mayer.

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  5. Gi, digo o mesmo sobre você, te amo! : )

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