sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Cão

Mais um de meus textos de 2006:


Cão


      Acordo de repente no meio da noite, na verdade antes do meio, em seu primeiro quarto talvez. O suor revelea minha perturbação. Abandono Felizbéia, o planeta em que vivo quando  canso deste. Não que ele só exista em meus sonhos, mas a passagem é mais barata quando se fecham os olhos. 
      Ora, antes de aprofundar em minha perturbação noturna, vou dedicar este parágrafo para falar um pouco de Felizbéia. Sim, estou decidido, Felizbéia merece este parágrafo: Felizbéia nem sempre foi assim, nem sempre existiu, pelo menos para mim. Descobri esse planeta três aniversários depois de ser internado (preso) no hospital psiquiátrico (hospício). Quando fui para Felizbéia pela primeira vez era um planeta um pouco vazio, mas gostei, bem melhor que esta prisão. Daí em diante não parei mais de visitá-lo e a cada visita Felizbéia ganhava novos detalhes, um prédio aqui, uma arvore lá, um cachorro acolá... Hoje passo mais tempo lá do que aqui, se pudesse nem voltava, mas os malditos horários! De almoço, de jantar...
      Ocorreu-me que esse meu depoimento sobre um mundo paralelo pode tê-los feito equivocadamente pensar que sou louco, mas que absurdo! Embora assuntos presentes possam parecer mais atraentes, recuso-me a continuar sem antes falar um pouco de meu passado: Sempre fui uma pessoa normal, mas nem sempre as pessoas foram capazes de perceber isso. Aliás, as coisas todas são a respeito da capacidade de percepção. E as coisas começaram a piorar quando comecei a perceber as coisas. Coisas como: as pessoas fedem. As pessoas são irritantes, ignorantes e vagabundas. Qualquer tipo de tentativa de se socializar significa se resignar com essas verdades absolutas. E eu me resignei o quanto pude.
      Desisti de aceitar esta enojante realidade quando conheci uma mais suprema e aceitável forma de vida. Foi como um trauma, tornei-me completamente intolerante à raça humana. Tinha nove anos, como criança inocente e infeliz pensava que tudo era como tinha que ser, acreditava que apesar de insuportável, a escola com aquela concentração ilógica de gente num mesmo lugar lugar era normal. Foi quando em certo dia de um certo fim de semana, fui levado a casa de um parente de minha mãe e, conseqüentemente, parente meu também. Não sei exatamente o grau de ligação, mas certamente não grande o bastante que justificasse a visita.
      Já tinha ido àquela casa umas duas ou três vezes e sempre tinha a certeza de que não ia mais voltar, mas criança não é dona do seu destino. Chegando na casa do parente, como sempre, me colocaram no quintal com a vã esperança de que eu fosse me divertir. Eu não estava sozinho, "Ah! Comprei um cachorro, não sei se ele tem medo...", e lá estávamos eu e ele. Já tinha visto cachorros antes, nos livros e na TV, mas pensava que eram detestáveis como os humanos, estava enganado, muito enganado. Jogado ao chão, exalava enorme sabedoria, não falava, e defecava sobre o chão indiferente ao que os outros pudessem pensar. O cachorro é indubitavelmente o maior exemplo de sinceridade existencial. Vivem sem perguntar porque vivem, simplesmente vivem porque vivem, sentem o que têm que sentir e fazem o que têm que fazer.
      A partir desta experiência não queria mais viver entre os humanos, percebi que a convivência em sociedade é inconcebível, passei a ignorar completamente as relações pessoais e dedicava meu tempo exclusivamente à contemplação da vida canina, passei a me comportar mais como um cão, embora soubesse que era apenas um humano. Quanto mais velho, mais este comportamento irritava as pessoas. Aos 18 minha mãe me aprisionou num hospício de onde nunca saí. Isolar-me da sociedade, talvez tenha sido correto, pena, porém, que em hospícios não há cães...
      Voltemos as minhas frustrações presentes... na minha cama sofro. Sim! Mais uma vez a percepção. De uma hora para a outra, num clarão de um raio, percebo o motivo da minha insônia - minha orelha. Quem diria? É impossível entender como em todos esses anos pude simplesmente deitar minha cabeça sobre o travesseiro e dormir. Como ignorar aquela massa de pele e cartilagem adjacente a minha cabeça? Agora que percebi, e este é o problema, fica insuportável dormir como este desagradável volume. Uma opção é dormir de "barriga para cima" de forma que as orelhas, não estando em contato com o travesseiro, não incomodem. Mas não me sinto confortável em fechar os olhos com o rosto para cima, desprotegido, para todos que podem eventualmente querer me matar.
      Como resolver então o problema? Assim como a pedra que irrita e machuca o pé quando dentro do sapato, a orelha precisa ser removida. Silenciosamente faço breves reflexões sobre as conseqüências que tal flagelação pode resultar. Lembro de Van Gogh, e diziam que ele era louco! O pintor serviu-me de inspiração, estava decidido, ia, como ele, cortar minha orelha fora!
      Mas não é tão simples assim, a dor em si não é o problema, mas o medo de senti-la. Fiquei por um bom tempo confrontando-me com a navalha em mãos. "Cortar ou não cortar? Eis a questão" . E de repente cá estou em Felizbéia. Cortei? Não sei. Em Felizbéia é assim, as coisas acontecem e eu não sei.
Lucas Nascimento Ferraz Costa   17/10/2006

domingo, 15 de novembro de 2009

O Retardado




Sempre gostei de escrever narrações, embora não me dedique muito à isso ultimamente em função da falta de tempo.
Escrevi este texto que vou publicar neste post em 2006, ou seja, há três anos (o tempo passa rápido). Espero que gostem:


                                 O Retardado

     Para evitar futuros constrangimentos, já adianto: eu sou o sujeito do título. Não que eu seja um retardado, mas é assim que me chamavam quando criança, e vocês sabem, essas coisas pegam. Puro preconceito! Admito que tinha alguns desvios comportamentais, uma certa debilidade intelectual, certamente alguma síndrome mental não diagnosticada, mas nada que me valesse esse pesado fardo. "Retardado! Retardado! Retardado!", gritavam. No começo me sentia irritado, até um pouco agressivo, depois virou apelido, e quando vira apelido é eterno. Era meu destino, ser o Sr. Retardado, e assim foram-se os anos...
     Mesmo a vida de um retardado como eu acaba se acertando. Sempre tive dificuldades de me socializar, não era minha culpa, as pessoas não eram dignas de minha amizade. Pelo menos era essa a teoria que me consolava, até eu conhecê-la. Não era linda, tampouco inteligente, mas cada um tem o que merece. E para o Sr. Retardado aqui, qualquer espécime humano do sexo feminino, que me doasse um mínimo de atenção, já era digna de ser a mulher perfeita.
     De tanto insistir, nos casamos, acho que ela nunca me amou, mas ter uma mulher ao meu lado me fazia esquecer da vergonhosa verdade sobre minha existência: um retardado odiado por todos. Era fato que ela me traía frequentemente o que me fazia arder de cíumes, mas só a possibilidade de um divórcio, de ela me largar - que era o que ela mais desejava e só não tomava esta decisão porque tinha dó de mim - me fazia conformado.
     E não é que parecíamos um casal normal? "Normal", eu repetia mentalmente. Não demorou para sermos uma família. Ela ficou grávida, um menino, um belo garoto, de tão belo e diferente de mim sempre desconfiei não ser realmente meu filho, mas na posição de retardado que me era imposta, nunca contestei tal possibilidade. Éramos afinal, se não uma família feliz, uma família normal.
     Como é belo o milagre da vida! Ela ficou grávida novamente, desta vez uma menina, agora eram dois filhos! Um casal, dois humaninhos que me pertenciam. Eram mais do que dois insgnificantes filhos, eram a prova viva de que meu apelido de retardado ficara para trás. Eu era mais um na enorme multidão da mediocridade, e como isso me agradava!
     Ser mais um, uma pessoa normal, deixar para trás os amargos gritos que sentenciavam minha posição de diferente, excluído, retardado, era tudo que eu sempre havia sonhado. Mas não era a verdade, minha mulher sabia disto, seus amantes sabiam e meus filhos quando crescessem saberiam. Montei uma farsa, um roteiro de uma tragédia, uma mentira insustentável. Mas o único que queria prosseguir com a mentira, que queria continuar atuando naquela peça que havia criado, era eu. E minha mulher deixava isto cada vez mais claro.
     Chegou a um ponto, no qual, sem a menor vergonha, ela passou a se deitar com seus amantes em nossa própria cama, sem ao menos se preocupar em esconder os vestígios de sua infidelidade. Passou a se ausentar sem dar satisfações, na verdade, ela nem me digiria mais a a palavra, vivia sua vida como se eu não existisse, uma solteira ao lado de seu marido. Só Deus sabe como isso me doía, eu sabia que não era normal, nem cuidar dos meus filhoes eu era capaz. Ela fazia tudo, educava as crianças em minha presença como se estivesse na presença de um abajur. O único motivo pelo qual a peça não tivera ainda seu trágico final era a falsa crença que tinha de que a sociedade me julgava uma pessoa normal.
     Tudo esfacelou-se naquela tarde quando, saindo para comprar pães - "Uma pessoa normal compra pães", pensei - ouvi no caminho dois jovens cochichando algo sobre mim, percebi, pois, olhavam disfarçadamente em minha direção. "Invejosos", sentenciei. Quase chegando à padaria, pude ouvir claramente a conversa de dois homens de idade:
     - Lá vem o retardado.
     - É, e ainda por cima é corno, sua mulher é uma vadia, todos já a tiveram.
     Foi o bastante, aquela puta! Mas nesta noite ela terá o que merece.
     Percebi que ela havia chegado pelo fedor. Como pude suportar aquele cheiro insuportável por tantos anos? E aquelas desgraçadas crianças que não se calavam nunca? "É agora", minha vingança me faria ser notado por aquela prostituta! Não era mais normal, nunca fora. Louco, insano, sádico, nunca imaginei o demônio que guaradava dentro d'alma, e que agora estava liberto. Liberto para se saciar de sangue, foi de uma coléra indescritível que decepei aquela vadia em pedaços enquanto os monstrinhos, frutos de seu ventre, assistiam sem entender, apavorados, rosnando e uivando como animais que eram.
     O derrame de sangue, selvagem, irracional, teve seu preço. Mas foi justo, fui mandado para o lugar a que pertenço, preso na jaula, junto dos outros animais. Hoje olho minha face no espelho do banheiro do manicômio. É a mesma de ontem, do mês passado, a de sempre, a de quem sempre fui, um retardado.

    

     Lucas Nascimento Ferraz Costa,  22/05/2006

    

sábado, 14 de novembro de 2009

Veja, a revista mais vendida e a que mais se vende



A Veja é a revista de maior circulação em território brasileiro, é a mais lida e, possivelmente, uma das maiores formadoras de opinião da classe média "esclarecida" do país.
É também um dos piores exemplos de jornalismo no mundo. O jornalismo praticado pela Veja não é só absurdamente parcial, é covarde e mal feito.
O fato de ser a maior revista, isto é, a mais vendida no Brasil, atribui a ela um poder perigoso que é usado da pior maneira possível.
A história de podridão, as estratégias usadas por ela, os episódios mais vegonhosos, enfim o anti-jornalismo semanal da maior revista do país são muito bem abordados pelo jornalista Luis Nassif (no final disponho o link para o dossiê sobre o tema produzido pelo jornalista, assim como uma entrevista sobre o tema concedida no IESB - Instituto de Educação Superior de Brasília) .
Não pretendo discutir aqui as questões políticas, o posicionamento neoliberal da revista e etc., não porque quero fugir destes temas, mas porque o intuito deste post é, simplesmente, expor o mau jornalismo da Veja. Independentemente do "poscionamento crítico" assumido pela revista - que é infanlil e ultrapassado (tem-se a impressão de que estamos lendo uma revista americana na época mais delicasa da Guerra Fria)  - o mais importante é que se trata de um jornalismo, antes de tudo, criminoso.
Não contarei a história da Veja, isso é feito com brilhantismo no dossiê escrito por Luis Nassif no site cujo link se encontra no final deste post (o texto é extenso, mas realmente vale a pena ser lido).

Uma história, no entanto, que merece ser destaca neste post é a do "boimate", considerado a maior "barriga"  (jargão que designa um deslize, uma notícia falsa) da história midiatica brasileira. É um cômico flagrante da incompetência da revista:

Os jornais e revistas ingleses gostam de " descobrir" fatos científicos no dia 1º de abril. A maior revista brasileira " comeu barriga" e entrou na deles. Conheça a história do " boimate", " uma nova fronteira científica".
       O " fruto da carne", derivado da fusão da carne do boi e do tomate, batizado com o sugestino nome de boimate, constituiu-se, sem dúvida, no mais sensacional " fato científico" de 1.983, pelo menos para a revista Veja, em sua edição de 27 de abril. Na verdade, trata-se da maior " barriga" (notícia inverídica) da divulgação científica brasileira.
       Tudo começou com uma brincadeira – já tradicional – da revista inglesa New Science que, a propósito do dia 1º de abril, dia da mentira, inventou e fez circular esta matéria.
       A fusão de células vegetais e animais entusiasmou o responsável pela editoria de ciência da Veja que não titubeou em destacar o fato. E fez mais: ilustrou-o com um diagrama (aqui incluído) e entrevistou um biólogo da UPS, para dar a devida repercussão da descoberta.
       Para a revista, " a experiência dos pesquisadores alemães, porém, permite sonhar com um tomate do qual já se colha algo parecido com um filé ao molho de tomate. E abre uma nova fronteira científica".
       O ridículo foi maior porque a revista inglesa deu inúmeras pistas: os biólogos Barry McDonald e William Wimpey tinham esses nomes para lembrar as cadeias internacionais de alimentação McDonald´s e Wimpy´s. A Universidade de Hamburgo, palco do "grande fato", foi citada para que pudesse ser cotejada com " hamburguer" e assim por diante. Mas nada adiantou.
       A descoberta do engano foi feita pelo jornal O Estado de S. Paulo que, após esperar inutilmente pelo desmentido, resolveu " botar a boca no mundo" no dia 26 de junho.
       O espírito gozador e , mais surpreendente às vezes até irado do brasileiro, no entanto, não deixou por menos. Durante o intervalo entre a matéria da Veja e o desmentido do Estadão, cartas e mais cartas chegaram às redações.
       Um delas que, maliciosamente, assinou " X-Burguer, Phd, Capital", lembrava que no Brasil já haviam sido feitas descobertas semelhantes: o jeribá, cruzamento de jabá com jerimum, ou o goiabeijo, cruzamento de gens de goiba, cana-de-açúcar e queijo, e adiantava que seus estudos prosseguiam para criação do Porcojão ou Feijoporco, cruzamento de porcos com feijões que ele esperava dar como contribuição à tradicional feijoada paulista.
       Domingos Archangelo escreveu ao Jornal da Tarde uma carta colérica contra a " a violação das leis naturais". Segundo ele, " do alto dos meus 76 anos, não posso ficar calado ante tal afronta às leis divinas. Boi nasceu para pastar, para puxar os saudosos carros do interior e para nos oferecer sua saborosa carne. E tomate, além das notórias qualidades que se lhe imputam na cozinha, serve também para ser arremessado à cabeça de quem perpetra tal montruosidade e, também, dos dão guarida e incentivam tais descobertas".
       Francisco Luís Ribeiro, outro leitor da Capital, relata outros cruzamentos, além do boimate, que deram certo e cita experiências para " cruzar pombo-correio com papagaio, para o envio de mensagens faladas".
       Finalmente, com o objetivo de pôr fim ao caso que já divertia as redações, a revista publicou, na edição de 6 de julho, ou seja, depois de dois meses, o desmentido: " tratou-se de lastimável equívoco". E justificou-se, explicando que é costume da imprensa inglesa fazer isso no dia 1º de abril e que, desta vez, havia cabido à revista entrar no jogo, exatamente no " seu lado mais desconfortável".

Trecho de artigo escrito por Wilson da Costa Bueno, jornalista.



                                            Reportagem do Boimate na Veja


A Veja foi humilhada e, no entanto, em reportagem publicada em homanagem aos 30 anos da revista é lembrado o episódio no qual ela se justifica colocando a culpa nos pesquisadores que foram entrevistados quando a reportagem estava sendo feita pela revista:

"Depois de ouvir cientistas brasileiros respeitados, VEJA publicou uma reportagem a partir de uma brincadeira de 1º de abril da revista New Scientist"

Não poderia terminar este post sem lembrar de Diogo Mainardi, colunista da Veja. Mainardi tem atenção especial no dossiê de Luis Nassif, o colunista é campeão de processos - já foi indiciado por mais de 200 vezes.
Ele escreve sobre o que quer e como quer. Critica e ataca a todos sem o mínimo comprometimento com a veracidade do que diz, mas mais do que isso: a Veja e principalmente a revista na figura de seu colunista Diogo Mainardi se utilizam de um macartismo covarde executando uma perseguição criminosa à todos que se ponham em seu caminho. 
Mainardi recebe total liberdade da revista para escrever as mais absurdas mentiras sobre quem quer que seja e tem um exército de advogados para comprar a justiça a seu favor - e no final das contas as revistas que vende pagam a conta e ainda sobra muito lucro para ele e para a Abril.


Dizer que a revista Veja é ridícula é clichê, mas é um daqueles que merece ser repetido e mais do que isso estudado. Não estamos falando de um maluco que sai na rua caluniando até Deus,  é, repito, a revista mais vendida (e se tem algo ambíguo aqui escolha os dois sentidos) do país, é de se lamentar que, no  Brasil, onde tem tanto analfabeto, quem é alfabetizado e lê alguma coisa, lê Veja.


Dossiê completo escrito por Luis Nassif sobre a Veja:



 Duas horas de entrevista na qual Luis Nassif fala sobre o tema:

 

 

 

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

A fé na ignorância


O título do post pode até assustar, mas não farei nenhuma análise chata sobre o ceticismo, nem abordarei sua importância filosófica. O que quero é compartilhar minha indignação em relação aos milhares, milhões ou bilhões de teorias da conspiração sem quaisquer fundamentos que nascem todos os dias na "mídia alternativa", principalmente na internet.
É patético a fé que as pessoas têm no improvável, a crença na mentira - basta parecer absurdo que o fato se torna objeto de cega pregação.
A verdade é que estas teorias da conspiração recebem mais crédito o quanto mais inverossímeis forem, ou seja, são resultado de uma necessidade de se duvidar da verdade ainda que para isso se acredite na mentira - o importante é duvidar do constituído. Duvidar. Em resumo, elas se alimentam de um ceticismo às avessas.
Às avessas porque o ceticismo é, na minha visão, a ferramenta intelectual para se chegar na verdade e não para negá-la. Mas, ao que parece, acreditar na verdade é ser manipulado pela verdade, então é preferível que se acredite na mentira, na versão alternativa, falsa, caracterizada pela fantasia e ausência de provas ou até mesmo de elementos plausíveis.

Em resumo, as pessoas não querem parecer manipuláveis e, como consequência disso, se rebelam contra os "produtores de verdade", assumem que a verdade construída, seja pela ciência ou pela grande mídia, é mecanismo de manipulação do povo, ferramenta de dominação.
É claro que conspirações existem, na grande mídia, na ciência e no Governo... desconfiar não é errado, mas acreditar no menos improvável apenas para não acreditar na versão oficial é ridículo.

Quando o tema é desmascarar mitos, conspirações, pseudociências, em suma, mentiras produzidas como alternativa à verdade (e apenas porque a verdade é oficial e não marginal), indico uma visita ao site "Projeto Ockham" (http://www.projetoockham.org/). Este site desmascara várias conspirações históricas, mas não só isso - as ridiculariza como merecem ser ridicularizadas.
Talvez o melhor exemplo seja o artigo do site intitulado "o homem não foi à Lua?" (http://www.projetoockham.org/historia_lua_1.html). Sim, ainda existem idiotas que acreditam que o homem nunca chegou na Lua, se você é um desses idiotas, disfarçe, leia o artigo e mude sua idéia. A conclusão do artigo é sensacional:

"Vinte e quatro astronautas estiveram na Lua ou próximos dela. Dezenas de milhares de fotos foram tiradas. Centenas de engenheiros, cientistas, biólogos, psicólogos e pessoas de todas as áreas de formação trabalharam diretamente no programa espacial. Cientistas do mundo todo analisaram exaustivamente as rochas trazidas da Lua, artefatos impossíveis de serem falsificados dadas as condições únicas de ausência de oxigênio em que se desenvolveram; os mesmos cientistas conheciam o cinturão de Van Allen tão bem quanto os americanos e saberiam se ele fosse realmente intransponível. A nave Apolo cruzou o céu como um ponto brilhante de luz na frente de milhões de pessoas de todas as nacionalidades e foi acompanhada pelos radares de todo o mundo, inclusive dos russos, que certamente estavam prestando muita atenção ao evento. Enquanto isso, os conspiracionistas dizem que a NASA gastou bilhões de dólares em uma encenação que, a julgar pelos argumentos, estava à altura dos piores filmes B de todos os tempos (sombras nas direções erradas, decalques da Terra na janela da cabine espacial, ventos furtivos no estúdio e alguém até esqueceu de pintar as estrelas!); um filme de Ed Wood só que com um orçamento bilionário. Dizem os conspiracionistas que toda a comunidade científica do planeta foi ludibriada; todos menos eles, uns poucos leigos sem nenhuma formação científica. Algo como se alguém tivesse vestido uma fantasia de Papai Noel e enganado todos os universitários mas não as crianças do jardim da infância."

Outro artigo que merece ser lido - na verdade todos merecem - é o que diz respeito a suposta conspiração que envolveria os ataques terrorista de 11 de Setembro de 2001 (http://www.projetoockham.org/historia_911_1.html). Isso porque é um verdadeiro tapa na cara de centenas de milhares de pessoas que assistem ao filme "Zeitgeist - The Movie" (2007) considerando-o uma bíblia moderna do ceticismo... Enquanto é, na verdade, um filme ridículo que simboliza com perfeição todo o meu post. Recomendo que assistam (pode ser encontrado no youtube ou no site oficial do filme, ou do "Zeitgeist Movement" (sic) http://www.zeitgeistmovie.com/), para rir, dele e de quem acredita nele. O filme é absurdamente valorizado, recebeu prêmios (as pessoas gostam de premiar lixos, já me acostumei), mas (portanto?) é uma merda.
O site "movimento Zeitgeist" (tradução livre) seria cômico se seus seguidores fossem apenas ignorantes, pessoas sem instrução, fáceis alvos de factóides sensacionalistas, mas não é o caso. O filme é base para o argumento de estudantes universitários de faculdades de gabarito, e até por professores, isso em cursos de Ciências Sociais, História... cujo o pensamento crítico mínimo deveria ser regra... além de exibir um monte de idiotices com provas claramente manipuladas, o filme é ruim e, no entanto, recebeu notas altíssimas em sites especializados em cinema como o Internet Movie Data Base (imdb - http://www.imdb.com/title/tt1166827/). Isso apenas reforça a idéia de minha tese inicial de que as pessoas tem um anseio insano pela contrariedade da verdade e, principalmente, aquelas mais absolutas.

O fato de eu estar nadando contra a corrente não quer dizer que estou errado, na verdade, estar indo contra a multidão quer dizer, provavelmente, que se está seguindo o caminho certo. De qualquer modo, convido qualquer defensor da conspiração de 11 de Setembro ( e neste momento convém citar Michael Moore o "marxista" produtor de mentiras pops em forma de "documentários" http://www.imdb.com/name/nm0601619/), qualquer admirador do ridículo "Zeitgeist" a dar uma lida no artigo que aqui postei, duvido que estes ainda restarão.

Vivemos em uma época no qual os iluminados são aqueles que mergulham na sombra da fé na ignorância.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Michael Sowa



Não entendo muito sobre arte, pouco sei sobre a história da arte, mas às vezes arrisco gostar de um artista ou outro. Um deles é Van Gogh, mas qualquer coisa que eu dissesse sobre ele nada acrescentaria, é gênio consagrado afinal. É por isso que lembro de Michael Sowa, pintor alemão. Quase nada sei sobre ele, a Wikipédia também pouco fala sobre sua vida, mas enfim, adoro os quadros dele. Talvez ele seja mais conhecido pelo fato de suas pinturas aparecerem no filme "Le fabuleux destin d'Amélie Poulain" ( http://www.imdb.com/title/tt0211915/ ). De fato, foi apenas depois de assistir o filme que conheci sua obra. Bom, vale a pena conferir.



The Beatles


Se o primeiro post do blog foi sobre Bob Dylan, nada mais justo que o segundo ser sobre os Beatles.
The Beatles é a melhor banda de todos os tempos. Fato. Não há muita coisa para se falar sobre eles, então que eles falem por si mesmos:



Reparem nos detalhes destacados durante o vídeo (principalmente se você for um beatlemaníaco).

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Bob Dylan e minha falta de criatividade


Bom, o título do Blog já diz tudo, então o primeiro post será um excelente texto sobre um dos maiores gênios da música mundial de todos os tempos. É de se impressionar, pela qualidade, que não seja de minha autoria, mas tudo bem.

AOS 60, BOB DYLAN VAI VIVER DE NOVO

Morto tantas vezes, o homem que dividiu a música em duas ganha homenagens-obituário; está na hora de renascer outra vez

Quarenta anos depois de ter composto sua primeira canção, o que resta para Bob Dylan fazer? Só lhe resta morrer. Bob Dylan já fez tudo o que se poderia esperar dele - e de qualquer artista de seu século. A morte talvez deixe claro - enfim e de uma vez por todas - que Bob Dylan foi o sujeito que fez pela música popular o mesmo que Darwin pela biologia, Einstein pela física, Freud pela psiquiatria. Ele é um divisor de águas, o turning point, um marco, do tipo a.D e d.D (antes de Dylan e depois de Dylan - embora o segundo tempo ainda não tenha se iniciado).

Mas, na verdade, nem a mais radical das possibilidades se apresenta como uma opção viável para Bob Dylan. Primeiro, porque se trata de um sobrevivente nato. Segundo, porque não seria novidade alguma: Bob Dylan já morreu. Várias vezes.

Morreu como cantor folk ''de protesto'' em 1965. Renasceu no mesmo ano como o roqueiro radical de óculos indevassáveis e letras também. Morreu como pop star - depois de um acidente de moto, em 1966 (no dia 17 de julho, se isso significa alguma coisa). Ressurgiu dois anos depois como o novo pai da country music. Morreu como lenda em 1974, voltando à estrada depois de sete anos de retiro rural (e 8 milhões de americanos tentaram comprar ingresso para sua turnê com The Band, registrada no álbum duplo Before the flood). Renasceu como ''lenda viva'' em 1975, com os discos Blood on the tracks e Desire - seus dois maiores sucessos de público até hoje. Morreu como judeu em outubro de 1979.

Renasceu como cristão fundamentalista (no dia 11 de novembro de 1979, quando Jesus Cristo ''apareceu'', ao vivo e a cores, para ele, num quarto de motel de beira de estrada). Morreu como pastor de um rebanho disperso em 1983. Renasceu logo a seguir como homem que continua fugindo da própria sombra e jura por Deus (sabe-se lá qual) que nem lembra da época em que foi cristão.

Por fim, mas com certeza não por último, Bob Dylan morreu, ou quase, em 29 de maio de 1997 - quando um fungo penetrou nos seus pulmões, inchou-lhe o coração e o levou para o hospital, do qual ele achou que só sairia para ''encontrar com Elvis mais cedo que o previsto''. Dylan então renasceu outra vez, lançando o disco que muitos críticos consideraram o melhor daquele ano: Time out of mind - um álbum espectral, premonitório, hipnótico; repleto de sobretons, palavras ásperas e visões fantasmagóricas - e que ele havia gravado antes da doença.

Ao acordar, na quarta-feira passada, 24, Bob Dylan deve ter achado que morrera de novo. Jornais e revistas do mundo inteiro publicaram uma míriade de artigos, entrevistas, fotos e ensaios - você deve ter visto alguns. Por mais devotos, reflexivos ou laudatórios, soavam todos como uma espécie de obituário. Para um sujeito ultra-sensível como ele - interessado em construir a própria lenda sem a ajuda de terceiros -, aqueles textos (alguns esplendorosos, como o de Bono, do U2, e o de Bill Wyman, ex-baixista dos Rolling Stones; outros tolos ou inúteis) talvez tenham sido a pá de cal nos oito ou nove Dylans cuja trajetória ele forjou ao longo de 40 anos de carreira.

A dissecação pública desses nove ou dez Dylans deu-se a propósito dos 60 anos de nascimento de Robert Allen Zimmerman - que veio ao mundo a 24 de maio de 1941, em Hibbing, nos cafundós gelados de Minnesota, no norte dos EUA. De algum modo, porém, Bob Dylan não parece diretamente ligado àquele evento (o de 1941). Muito menos a esse de agora.

Afinal, como todo mundo está cansado de saber, Bob Dylan inventou a si mesmo - desde o rascunho. Evidentemente, não foi o primeiro a ter-se inventado. Mas foi o primeiro a inventar Bob Dylan. Ninguém o inventou melhor antes, nem depois - embora muitos tenham tentado. Neil Young, Roger McGuinn, Bruce Springsteen, Leonard Cohen, Tom Waits, Jim Morrison, Lou Reed, Kurt Cobain, Beck bem que se esforçaram. A inúmeros outros restou apenas rolar como as pedras que rolam à beira do caminho.

Bob Dylan fundiu música e poesia como os beats tinham tentado, mas jamais conseguiram. Bob Dylan cantou a si próprio e ao seu país, como Walt Whitman sugeriu e fez. Pescou a baleia branca e flertou com o negro corvo, navegando com Melville, enlouquecendo com Poe. Dylan deu cor às vogais e regulou o movimentos das consoantes, conforme a cartilha de Rimbaud. Botou a viga pra cima, moçada. Perguntou ao pó e meteu o pé na estrada - e na jaca, e na cova. Bob Dylan também sonhou que era um profeta do Velho Testamento - e acabou pregando no deserto. Bob Dylan encheu a garganta de trovões - quase foi fulminado por eles. Bob Dylan sempre fingiu que é dor a dor que deveras sente.

Elvis liberou o corpo, Dylan liberou a mente. Não foi Dylan quem inventou o rock - ele apenas lhe deu um cérebro. Quando os Beatles e os Stones viraram doidões - with a little help from their friend Bob, aliás -, Dylan foi criar filhos e galinhas, ao lado do celeiro, em Woodstock. Enquanto os Beatles estavam querendo pegar na mão de alguma garota, Dylan já estava saindo do quarto dela, levando os cobertores (e agora?), deixando-a com suas pílulas, sua anfetamina e sua dor, como se ela já fosse mulher feita. Youre a big girl now, baby blue. Enquanto os Rolling Stones estavam flertando com o diabo, numa macumba para turista, Dylan (o demiurgo, o exorcista) estava tentando conjurar demônios interiores - os dele e os nossos.

Quando Jimi Hendrix eletrificou All along the watchtower ao limite do tolerável - e tornou-se um deus - Dylan tocava no porão, sozinho ao violão, como se fosse Robert Johnson. Enquanto o Prodigy inventava o techno, Dylan gravava canções de pretos anônimos dos anos 40, enterrados em covas rasas às margens do Mississippi. Enquanto seu filho, o bonitão Jakob, arrancava suspiros das mocinhas, vestindo um Armani, o velho Bob, de camisolão, suspirava de dor numa cama de hospital. Mas, pouco depois, na mesma noite em que Bob filho levava um Grammy para casa, Bob pai embolsava três. Quando todos os outros estavam indo (enriquecendo, ou sumindo, ou morrendo de pico ou de bala), Bob Dylan estava voltando - embora isso eventualmente o tenha feito andar em círculos.

Bob Dylan sempre foi um sujeito com um violão e um ponto de vista. Ou com uma guitarra e um ponto de vista. Ou com uma banda (a única boa o suficiente para se chamar, simplesmente, The Band) e um novo ponto de vista. Ou uma big band (em 1978, Dylan juntou 17 músicos e pegou a estrada, com todas suas grandes canções com arranjos à Las Vegas) e um outro ponto de vista. Ou, quem sabe, com um violão, uma Bíblia e o seu particularíssimo ponto de vista. Ou ainda com um violão, uma harmônica, uma jaqueta de couro - e, é claro, um ponto de vista estranho, indecifrável mesmo.

Os pontos de vista de Bob Dylan acabaram se tornando um mapa - tortuoso e áspero, labiríntico e eventualmente sem saída, mas, ainda assim, um mapa - para toda a história da música e da cultura pop. Um roteiro sem porto seguro para uma, duas, talvez três gerações. A trilha - não apenas sonora - que ele abriu, e ao longo da qual percorreu todas as estações, manteve seus seguidores permanentemente à beira do abismo. Bob Dylan queimou todas as pontes que o levaram até onde está. And he didnt look back: não tem vocação para virar estátua de sal. Bob Dylan entrou em todas e deu um jeito de sair delas. Esteve em muitas, não ficou em nenhuma. Bob Dylan não está nem aí.

Mas talvez também não esteja mais lá. Vai ver que Bob Dylan já não sabe quem Bob Dylan é. Nem ele nem ninguém.

Depois de 72 discos, 41 biografias e 15 anos de uma paixão obsessiva, resvalando no ridículo, conheci Bob Dylan. Foi em São Paulo, em janeiro de 1990, quando ele veio para o Hollywood Rock. Desde então, encontrei-o várias vezes - em Los Angeles, em Budapeste, em Buenos Aires, em Nova York, em Porto Alegre, em Zagreb, em Bolonha, em Belo Horizonte.

Essa semana, meu telefone ficou rouco de tanto tocar. Gente de todo o tipo disposta a obter de mim informações que Dylan luta para manter recônditas há décadas. Eu não tinha resposta para a maioria das perguntas e, se tivesse, não as daria: o que quer que pudesse dizer com certeza soaria como um vento idiota. The answer, my friend, is blowin in the idiot wind, você sabe.

De todo modo, embora sempre tenha sido uma honra conviver com Dylan, nem sempre foi o máximo. Se a humanidade funciona em AM, suspeito que ele só pegue em FM. Se Van Gogh cortou a orelha ao ser contrariado, Dylan corta a língua - de quem falou. E só com o olho. Se os humores de João Gilberto eventualmente se assemelham aos da Bruxa Má, comparado a Dylan ele é a Branca de Neve. Pobre Bob Dylan: ninguém o ama, ninguém o quer, mas todos os chamam de Baudelaire. Dylan responde à altura e se comporta como o próprio.

Mas esse é apenas um dos muitos Dylans. Já deparei com outros mais potáveis: um deles era tão suave e gentil que parecia ter acabado de compor Love minus zero: No limit. Certa vez, numa varanda no Buda Penta Hotel, de frente para o Danúbio, em Buspaste, Dylan revelava um olhar tão inspiradoramente melancólico que era como se o próprio rio estivesse murmurando a melodia de Buckets of rain. Na maior parte das vezes, o que vi foi um sujeito metade quadro de Braque metade peça de Cocteau, que, mesmo parado, se move em velocidade vertiginosa - livrando-se não apenas dos seis ou sete Dylans que vieram antes, mas deixando para trás também as sombras deles todos - enquanto sua imagem permanece silhuetada em nossas mentes, com um estrondo, com um suspiro.

No dia 24 de maio de 2001, depois de ler seus muitos obituários, Bob Dylan deve ter concluído que está mais vivo do que nunca. Hora de virar a página, de novo.


Eduardo Bueno (27 de maio de 2001)

Eduardo Bueno é jornalista e escritor, autor de Capitães do Brasil e Náufragos, traficantes e degradados