terça-feira, 4 de maio de 2010

Nada

    
     Oriundo de nenhum lugar, vindo com o vento e sem pressa de chegar. Sou eterno, sou instantâneo, sou o nada. Enquanto lá fora é dia, naqueles corredores escuros daqueles prédios cinzas eu sou a luz que sai por debaixo de cada porta e que quando você abre não há nada. Eu sou o interruptor que desliga e que no escuro não se enxerga, pois sou, afinal, o nada. Sou mais importante que quase tudo, preencho o vazio e o vazio é infinito, as coisas são exceções e eu sou a regra.

     Subestimam-me assim como eu sou subestimável, pois se vive no nada, para nada e, no entanto, só importa aquilo que é algo, o resto, o ínfimo, as coisas que acontecem quando vou cochilar. Mas não é fama que quero, sou imperador do universo e cada pó é um súdito meu, sou, por assim dizer, deus. Pouco me importa se rezam para mim, se a mim dedicam algum mísero minuto de cada um de seus desprezíveis dias – gotas d’água num oceano de vácuo e solidão.

     Mas é até engraçado como os homens ilustram seu dia de um cotidiano que lhes parece, por algum motivo que desconheço, fazer algum sentido. É impressionante como apesar de viverem em mim e para mim, como em suas vidas curtas como um espirro da galáxia, conseguem desprezar o fato de que nada são, foram ou serão. Não me irrita, mas certamente me intriga a ingenuidade que repousa no fato de ignorarem minha existência.

     Mas hoje lembrei. Lembrei porque me ignoram, porque vivem alheios ao meu domínio, lembrei de tudo. Lembrei que sou, na verdade, escravo deles, eles são meus senhores e eu vivo em função deles. Porque o nada não faz sentido se eles não existem para ser alguma coisa. Sem eles eu sou o nada e como só há nada eu sou tudo e, por conseguinte, eu não existo.

     Sim, eu nasci, não sou eterno, mas humano, frágil como sua existência. Ora, me lembro daqueles macacos andando, dando significado às coisas, fazendo símbolos do nada, lanças das pedras, fogo de pedaços de pau; lembro quando me pariram em sua criatividade humana. Mas junto com essas lembranças que me vieram como que do nada lembrei de outra coisa: não existo.

     Ao me reconhecerem, ao me escreverem, ao me desenharem, mesmo em sua arte, em seus símbolos, os humanos fazem de mim pensamento e assim não posso ser mais o que sou, não posso ser mais que uma idéia do “nada”. O nada é algo e, portanto, não existe como nada.



Lembrei de outra coisa, não me cabem memórias, não me cabe nada; ao nada, nada.







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