sexta-feira, 2 de julho de 2010

Aquele Domingo (Parte I)

Este é um texto que escrevi e ficou meio grande, por isso vou postar no blog em várias partes, mais ou menos como capítulos de uma novela. Na verdade, apesar de ter a ideia completa do "conto", não a terminei de escrever, mas já tenho bastante coisa.



Buscava inusitada lógica na constelação de falta de razões. Eu não estava chapado, o mundo é que estava estranho aquele dia – estranho como um sonho, mas eu estava acordado. Acordei bem cedo pra falar a verdade, e eu odeio acordar cedo. Dormir é uma das coisas que mais me davam prazer (e ainda dão, embora o presente não venha ao caso), isso é triste. Era domingo, dia que nenhuma obrigação idiota lhe faz acordar cedo, acordei cedo porque quis. Num domingo, isso me espantou, de verdade.
O que fazer numa manhã vazia de domingo? Eu (percebi isso naquele dia) nunca havia vivido uma manhã acordado, a não ser quando tinha que acordar para ir a alguma aula idiota ou um trabalho mais idiota ainda, mas nunca havia acordado cedo e ficado refém de minhas próprias vontades em um oceano de oportunidades. No caso eu era um naufrago que não conhecia o mar; isso é apavorante se você parar para pensar, pois não há nada para fazer em um domingo de manhã. Nada.
De qualquer modo, eu não acordei na forma de um cachorro como Mandi, que é um cachorro, meu cachorro. A bizarrice daquele dia ainda nem começou a ser narrada, eu diria, embora eu tenha estranhamente, por minha própria vontade, acordado cedo, bem cedo. Não eram nem oito horas quando acordei, acho. Um bom tempo depois que me levante da cama, vi no microondas da cozinha que ele marcava 8:04h. Aquele relógio do microondas sempre estava errado, mas não tão errado, nunca exato entretanto. Minha casa fedia, ele sempre estava fedendo e parecia (e era) escura e feia, eu odiava aquela casa. Era suja provavelmente porque nunca fiz uma faxina nem contratei alguém para fazê-la; eu só varria, de vez em quando, o grosso da sujeira para os cantos e, de semanas em semanas, eu jogava alguns lixos, como embalagens e restos de comida, no terreno ao lado que era um terreno abandonado – ninguém compraria aquele terreno, ninguém construiria uma casa naquela merda de rua, nem que ela ficasse a venda por vinte séculos.
De qualquer modo, eu estava com fome – é por isso que estava na cozinha; havia uma chance maior de encontrar alguma coisa pra comer lá, mas não tanto. Tinha muita coisa estragada, podre, ou com uma aparência muito ruim; tinha um lanche de... acho que presunto. Eu odeio presunto e aquele presunto nem cheirava a presunto. Contemplei aquele lanche repugnante por minutos, foi a única coisa que encontrei a qual eu podia cogitar comer, e eu estava com fome, realmente estava. Mas não comi o lanche; tinha uma couve-flor no fundo da geladeira – eu não faço idéia do que uma couve-flor fazia naquela merdade de geladeira, eu odeio couve-flor, ela estava fresca ( se é que se poder dizer isso de alguma coisa em minha casa) no entanto. Teria que me contentar em passar fome ou tomar alguma atitude.
Geralmente eu sento e espero as coisas acontecerem, mas era domingo de manhã e nada acontece num domingo de manhã, nem o acaso. Até Deus estava dormindo. Encontrei minha carteira em meu quarto, entre umas cuecas e camisetas usadas – nossa, como aquelas roupas fediam! Estavam lá jogadas desde a Renascença, eu provavelmente nunca as levaria para a lavanderia, pensei em jogá-las no terreno ao lado do qual eu falei, como os outros lixos, mas aquilo me pareceu, de algum modo, errado, então simplesmente as deixei lá. Dentro da carteira tinha um pouco de dinheiro, o suficiente para comprar algo decente para comer, acho. Tinha diversas outras coisas na carteira, a maioria lixo eu que nunca mais precisaria, mas que por algum motivo eu guardava, mas tinha também coisas interessantes, acho. Mas eu estaca com fome, então focalizei minha atenção nesse fênomeno, muito comum em nossa sociedade, de transformar dinheiro em comida. Eu não fazia idéia de tinha alguma coisa perto de minha casa que estaria aberto vendendo comida em um domingo de manhã. Eu não sairia de casa sem ter na cabeça ao menos uma boa idéia de onde eu iria. Sou um cara um pouco preguiçoso, tenho que adimitir. E era domingo de manhã, por Deus! Resolvi, então, ir até a sala e sentar naquele sofá de couro rasgado. A sala estava escura e fedia, mas o quarto tinha uma atmosfera ainda mais depressiva, então até que foi bom ter ido para a sala.
Encontrei espaço entre os restos de embalagens, lixos e o que mais que tivesse lá, e consegui sentar no sofá. Aquele sofá era bem confortável; eu gostava dele, mas estava sempre sujo e cheio de coisas sobre ele. Mesmo assim sentei nele e comecei a pensar onde podia comprar alguma para comer. Não fazia idéia, abre no domingo de manhã? Alguém sai de casa num domingo de manhã para comprar alguma coisa? Lembrei de uma padaria que ficava à umas quatro quadras de casa, foi o melhor que consegui lembrar. Eu nem sabia se estaria aberta, isso me deu um desânimo e, como que me entregando àquela algoz chamada preguiça, deixei meu corpo se esparramar sobre o sofá como um saco de cimento pesado que só poderia ser tirado de lá a custas de muito esforço. Eu nem estava mais com tanta fome.
Eu estava quase dormindo, lá no sofá mesmo, quando o telefone tocou. Eu sabia que tinha um telefone escondido e, algum canto daquela sala, mas não sabia que ele ainda podia tocar. Por algum motivo aquele toque irritante me alegrou; encontrei o aparelho a tempo, enquanto ele ainda tocava. Quem poderia ser, tinha o pressentimendo de que se tratava de alguma coisa importante, mas o que é o pressentimento?
   CONTINUA...



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